segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O que me dói não é

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão…

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

Fernando Pessoa
Cancioneiro
05/09/1933

Tenho tanto sentimento

Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa
Cancioneiro
18/09/1933

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

XXXIII


Pobres das flores nos canteiros dos jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia…
Mas tão boas que florescem do mesmo modo
E têm o mesmo sorriso antigo
Que tiveram para o Primeiro olhar do primeiro homem
Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente
Para ver se elas falavam…


Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos

XXXIX



O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: –
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.


Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos

XL




Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos 07/05/1914

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Cecília Meireles
[1939]
In Viagem/Vaga Música. Rio: Nova Fronteira, 1982.

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drummond de Andrade
[1930]
In Sentimento do Mundo. Rio: Record, 1999.
In Alguma Poesia Ed. Pindorama,
1930 © Graña Drummond
In Sentimento do Mundo. Rio: Record, 1999.

Mapa

Me colaram no tempo, me puseram
uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou
limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.
Me vejo numa nebulosa, rodando sou um fluído,
depois chego à consciência da terra, ando como os outros,
me pregaram numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar,
alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem
nem o mal.
Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,
tonto de vidas, de cheiros, de movimentos, de pensamentos,
não acredito em nenhuma técnica.
Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas espanholas,
é por isso que saio às vezes pra rua combatendo personagens imaginários,
depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas,
na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.
Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando populações...
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida.
Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça.
Triângulos, estrelas, noite, mulheres andando,
presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me chamam a atenção,
o mundo vai mudar a cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.

Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.
Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra,
o vento que vem da eternidade suspenderá os passos,
na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
vibrarei nos cangerês do mar, abraçarei as almas no ar,
me insinuarei nos quatro cantos do mundo.


Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens "práticos"...
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito....
viva eu que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.
Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,
estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto da praia de Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando,
sempre em transformação.

Murilo Mendes
[1930]
In Poesia Completa e Prosa. Rio:
Nova Aguiar, 1994.

Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos
[1912]
In Obra Completa. Rio: Nova Aguilar, 1994.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Argumento



Mas se todos fazem


Francisco Alvim
[2000]

In Elefante. S. Paulo. Companhia das Letras, 2000.

Poema do beco





Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco


Manuel Bandeira
[1936]
In Estrela da Vida Inteira, Rio: Nova Fronteira, 1995.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Ismália



Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Alphonsus de Guimaraens
[1916]
In Obra Completa. Rio: Nova Aguiar, 2001.
Org Alphonsus de Guimaraens Filho.

sábado, 25 de outubro de 2008

Rápido e Rasteiro




"Vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar
Aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida".

Chacal
[1972]
In Repertório Selvagem. Rio: Multimais Edidorial, 1998

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A Via Láctea... Legião Urabana


Quando tudo está perdido sempre existe um caminho...
Quando tudo está perdido sempre existe uma luz...
Mas não me diga isso...
Hoje a tristeza não é passageira
Hoje fiquei com febre a tarde inteira
E quando chegar a noite cada estrela parecerá uma lágrima...
Queria ser como os outros e rir das desgraças da vida
Ou fingir estar sempre bem
Ver a leveza das coisas com humor...
Mas não me diga isso...
É só hoje e isso passa só me deixe aqui quieto... Isso passa...
Amanhã é um outro dia não é?...
Eu nem sei porque me sinto assim...
Vem de repente um anjo triste perto de mim...
E essa febre que não passa
E meu sorriso sem graça
Não me dê atenção
Mas obrigado por pensar em mim...
Quando tudo está perdido sempre existe uma luz...
Quando tudo está perdido sempre existe um caminho...
Quando tudo está perdido eu me sinto tão sozinho...
Quando tudo está perdido não quero mais ser quem eu sou...
Mas não me diga isso
Não me dê atenção
E obrigado por pensar em mim...
Não me diga isso
Não me dê atenção
E obrigado por pensar em mim...

Composição: Dado Villa-Lobos/ Renato Russo/ Marcelo Bonfá

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Vida!?!?!?!?!

Sabe às vezes fico aqui perdida em um insignificante e minúsculo mundinho vagando em pensamentos que se quer são meus (mas que possessividade!), imaginando coisas indecifráveis? Talvez!? Qual o real significado dessa coisa a qual deram o nome vida, esse espaço de tempo entre fazer parte de uma quimera visível e de repente não mais fazer. Será que realmente tem um significado? Ou simplesmente vivemos por viver? E esse tempo que vivemos por que é tão pouco assim? Será realmente pouco mesmo ou queremos sempre além? Tempo? Por que nunca o aceitamos? Curto demais, longo demais ou será mera insatisfação de mortais que vivem incognitamente? Vêem o tempo ai de novo? Pairando com autoridade sobre o que existe e é palpável ou não. E por que vivemos? Por que vivemos na companhia de algumas pessoas e não de outras? Por que aprendemos a amar essas pessoas a entendê-las, a aceitá-las assim como são, não que não queiramos mudá-las porque sempre queremos mudar algo, mas mesmo assim elas pertencem a nossas vidas, fazem parte dela, muitas vezes não nos vemos sem essas pessoas e....................... Paaaaah!!! Vem aquele choque que nos deixa pasmos, sem saber ou entender o porquê ou se um realmente tem por que, e a pessoa e levada de nossas vidas como se não fizesse mais sentido ela estar aqui em nossa realidade sensível, como se não tivesse mais importância para ninguém, que força maior é essa que leva do nosso mundo as pessoas que, “amamos”.? E agora? O que fazer? Chorar? Rebelar- se? Destruir o mundo? A nossa vida? Que vida? Se quem fazia parte dela foi arrancado brutalmente dela? Como viver agora? E essas pessoas que partem da nossa realidade tangível, da nossa concepção de vida, o que realmente acontece com elas? Outra vida? Talvez! Pairar por ai? Ou será que pairamos nós? Quem sabe meramente esvaecer da utopia em que vivemos? Perguntas intrigantes essas, que teimam em eclodir em meus pensamentos sem que eu queira que a eles elas pertençam, questões que para a infelicidade de muitos ou quem sabe de todos fazem parte desta coisa denominada vida, e mesmo depois disto não consigo entender o significado de nada, viver para simplesmente, morrer! E como viver depois de cogitar sobre isto? Plenamente? Intensamente? E o que é viver intensamente? Será realmente viver aproveitando cada momento como se fosse o último, que concepção bizarra, viver pensando na morte, ou será alcançar a felicidade, realizar sonhos... Acho que cada um tem sua concepção de “viver” intensamente. Cada um? E o que é cada um? Se nem ao menos temos realmente o controle de nossas vidas, se em um segundo estamos aqui, mas de repente, podemos não estar? Que vida é essa que é nossa, mas que de repente não é? Que pode ser tirada por qualquer um que simplesmente “não queira mais que você faça parte da sua realidade visível”, cada um é dono da vida de sua vida e “simplesmente” da vida de todos, que na realidade não é realmente de ninguém, que paradoxo constante. Somos apenas impulsionados, controlados por uma força maior? Força maior será essa mesma a denominação correta para isto? Talvez sim, por não conhecer do que realmente se trata. Será Deus? Quem sabe? Quem tem fé? Fé? Essa plena certeza que dispensa provas, será que as pessoas realmente se agarraram a ela por desconhecer o real significado, as respostas para essas gritantes perguntas, a real verdade? Quiçá! Volto a Deus novamente como a mais provável resposta para a maioria do mundo, se é Deus por que julga a seu tempo, por saber o que se passa em nosso interior, (vê ai porque não somos donos de nossos pensamentos?), por que julga Deus ser a hora certa de retirar as pessoas de nossas vidas? Por que as leva sem ao menos nos dar “tempo”? Ou será que nos dá e não o aproveitamos? Ou somos tão egoístas e queremos sempre mais, mais e mais. Nunca nos contentando com o que nos é dado. E muitas vezes desperdiçando, talvez por isso, por não saber do que se trata, mas será que se soubéssemos o valorizaríamos? Será que somos donos do “período” que nos é dado e fazemos o que queremos? Então estamos aqui por quê? Para ensinar? Para aprender? Para os outros? Por nós? Por Deus? Ou para morrer? E depois desta concepção de realidade para onde vamos? Levamos algo daqui? Tenho medo de tudo, de tudo isso, do além-mundo visível, perceptível, sempre tenho medo do desconhecido, temo-o, mas por quê? Por simplesmente não saber o que pode acontecer...

Alexandra Xavier